O último giz – a insistência do professor em ser humano

Da Redação ·
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O sol do fim da tarde entrava pelas frestas, iluminando o pó branco no ar
fonte: Ilustrativa/Gerada por IA
O sol do fim da tarde entrava pelas frestas, iluminando o pó branco no ar

O giz estava no fim. Um pedaço pequeno, torto, que mais sujava os dedos do que escrevia.

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Na sala vazia, o professor olhava para o quadro como quem encara o espelho de uma vida inteira.

O sol do fim da tarde entrava pelas frestas, iluminando o pó branco no ar — uma poeira de sonhos antigos.

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Escreveu devagar, como quem reza:

Ensinar. Acreditar. Recomeçar.

Verbos — não substantivos. Porque o professor, ele pensava, nunca foi uma função, mas um verbo em movimento.

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Enquanto o giz rangia, pensou em quantas vezes lhe disseram que “ser professor é vocação”.

Talvez fosse. Mas até as vocações têm contas para pagar, filhos para criar, e sonhos que o contracheque não cobre.

O problema não é o amor pelo ofício; é o quanto o amor é usado para disfarçar o descaso.

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Lembrou-se de outras profissões: o médico com seu bisturi de precisão, o engenheiro com seus softwares, o fotógrafo com sua lente de última geração.

Ele, com um giz.

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Simples, ultrapassado, sujando as unhas.

Mas nenhum deles — pensou — ensina alguém a ser gente.

E quando o giz se parte, o professor junta os pedaços e continua. Porque não há tecnologia capaz de substituir o olhar que percebe o aluno calado no fundo da sala, nem algoritmo que compreenda o silêncio de quem tenta existir.

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A ciência de todas as profissões evoluiu.

A do professor também — ele aprendeu novas metodologias, domina plataformas, grava vídeos, faz lives.

Mas é a sua ciência de sentir que o mantém necessário num mundo cada vez mais binário, polarizado, feito de curtidas e esquecimentos.

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Enquanto o influenciador ganha seguidores, o professor ganha histórias.

E entre um like e uma lição, é ele quem continua apontando para o que o mundo desaprendeu a ver.

Quando o último traço se apagou, o quadro ficou limpo — mas o verbo permaneceu.

Porque há profissões que dependem de máquinas,

e há uma, teimosamente humana, que depende de humanidade.

No dia 15 de outubro muitas mensagens parabenizando pelo seu “grande dia”. Que bom seria se, ao menos uma vez, ele tivesse mais do que um dia para se orgulhar do que faz. Não ser atacado e cobrado pelas dores de um mundo que o quer mecânico e adaptado, pois ainda que não percebam, é uma ponte entre o que o mundo é e poderá ser. Em um mundo de respostas prontas no chat, fazer pensar e sentir se torna perigoso demais. Por isso, cada vez menos giz na mão, no quadro e nos sonhos. 

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