O homem que guardava tudo

Da Redação ·
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fonte: Ilustrativa/Freepik
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Ele guardava tudo.

As palavras que deveriam ter saído, os pensamentos que doíam, os pedidos de ajuda disfarçados de piada. Engolia respostas, adiava explicações, colecionava suspiros. Aos poucos, o corpo foi se tornando um depósito de ausências — um arquivo inflamável de tudo o que nunca teve coragem de dizer.

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O rosto parecia tranquilo, quase sereno. Mas dentro dele, havia um zumbido constante: frases comprimidas, lembranças não resolvidas, medos empilhados um sobre o outro. Era um acúmulo invisível, um balão de ar quente preso num quarto sem janela.

Com o tempo, começou a inchar. Não no corpo, mas na alma.

As pessoas diziam que ele estava mais calado, mais contido, e elogiavam essa calma — sem perceber que era o som da corda esticando antes de romper.

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Até que um dia, sem aviso, ele explodiu.

Não como nos filmes — não houve fogo nem ruído metálico. Foi uma explosão muda, íntima, que espalhou fragmentos por toda parte. E cada pedaço, ao cair, trazia palavras gravadas na carne viva:

“Medo.”

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“Perdoa.”

“Eu também amava.”

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“Fingi força.”

“Não aguentei.”

Os pedaços pousaram em quintais, sobre telhados, nas ruas de quem jamais o percebeu por inteiro. Uns olharam com repulsa, outros com curiosidade. Aos poucos entenderam que cada fragmento era uma parte dele que ninguém conhecia — emoções que haviam sido abafadas por educação, vergonha, costume.

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A cidade falou muito sobre a explosão. Muitos pedaços de carne morta que ainda pulsava, um fragmento do que foi um corpo, mas agora sem coração, sem veias, sem artérias, mas com sangue quase fresco. Ele choveu por toda parte.

Teve quem inventasse motivos, quem culpasse o trabalho, a família, o cansaço.

Mas ninguém percebeu que ele vinha avisando havia anos — não com palavras, mas com silêncios.

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No dia seguinte, recolheram o que restou.

Os fragmentos foram levados como provas, mas o que importava estava ali, nas inscrições que o corpo deixou:

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as verdades que ele nunca ousou dizer em vida.

E quem viu de perto entendeu, ainda que sem saber explicar:

ninguém explode do nada.

É sempre o acúmulo

a soma invisível do que não se diz.

Foi uma bela, trágica e (in)evitável explosão.

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