Ele chegou, como quem não queria mais voltar.
Sentou-se na poltrona, virou-a de frente para a janela e ficou um tempo ali, respirando o ar estagnado da própria casa.
Não havia pressa, mas havia urgência - aquela que vem quando a alma ameaça transbordar.
“Fica quieto”, disse, com olhos vidrados e uma cadeira de frente para a outra. “Preciso dizer tudo agora, antes que seja tarde e eu me arrependa.”
E começou.
Falou como quem abre um dique.
Disse das noites em claro, da falta de ar, do riso que virou vício, da fé que perdeu sabor.
Falou da culpa que não era dele, das palavras que morreram na garganta, das desculpas que aprendeu a pedir até quando não devia.
Falou como quem sangra devagar e, mesmo assim, não quer parar.
O tom subia, descia, quebrava.
“Você me fez pequeno”, murmurou. “Me fez acreditar que o amor era sobreviver ao medo. E eu, idiota, chamei isso de entrega.”
Em alguns instantes era só uma conversa, mas em alguns momentos parecia uma briga que aos poucos se tornava violenta, mas era ele que aumentava a voz e pedia que fosse ouvido ao menos essa vez, enquanto puxava o seu próprio colarinho – como se buscasse se sufocar ou respirar pela primeira vez.
Do outro lado, silêncio absoluto.
As horas escorreram entre frases e soluços contidos. Houve choro, muito choro. Mas nenhum lenço foi dado, não havia porque ter vergonha daquelas lágrimas que, enfim, estavam libertas.
Até que veio o cansaço.
Aquela exaustão que não vem do corpo, mas do que o corpo carrega.
Então ele parou.
Olhou para frente, com olhos úmidos, e pela primeira vez enxergou o que sempre esteve lá: o vazio.
A cadeira diante dele estava vazia.
Não havia ninguém.
Nunca houve.
Percebeu, enfim, que tudo o que precisava dizer não era para o outro, era para si.
Era o diálogo que evitou durante anos, o acerto de contas com o espelho.
Ficou ali, quieto.
A voz cansada, o coração limpo.
E pela primeira vez, o silêncio não doeu.
É estranha a sensação de conseguir se abraçar, mas foi ali que ele entendeu o que é ser o próprio abrigo.
Foi paz.