Ela muda. De roupa, de casa, de sonho.
Muda o perfume, o número do telefone, o endereço dos afetos.
Muda o jeito de sorrir nas fotos, o filtro, o enquadramento.
Muda o tom da voz quando precisa parecer inteira,
e o passo quando quer fugir de si.
Muda como quem planta: cava o chão, enterra o antigo, rega o incerto.
Brota outra, parecida, mas nunca igual.
As raízes ainda seguram a dor, mas a flor finge que não lembra.
Cada folha nova nasce com a lembrança do galho que apodreceu.
Muda também o olhar, aquele que já não brilha, só observa.
Muda por dentro o que ninguém vê,
e por fora o que todos julgam.
Muda o amor, muda o medo, muda até a fé.
Muda porque cansou de carregar fantasmas com o nome dos vivos.
Mas há dias em que ela não muda: é muda.
Não diz, não grita, não pede.
A voz apodrece na garganta,
a língua é uma ferida costurada por dentro.
As palavras se empilham no peito,
formando um cemitério de tudo que quis dizer.
E o mundo, indiferente, diz: “como você mudou”.
Mas não percebe que é outra forma de calar.
Que toda mudança é um corpo deixado pra trás,
e todo silêncio é um grito em surdina.
Ela muda, sim
porque mudar é a única maneira de continuar respirando.
Mas o que morre e nasce dentro dela,
ninguém escuta.
É ali, no espaço entre o que cala e o que se transforma,
que ela aprende:
mudar também é uma forma de morrer devagar,
sem que ninguém perceba o enterro.
Então muda, ela muda a muda de lugar.