Leis e decisões judiciais devem ser respeitadas. Elas não são meras sugestões, tampouco peças decorativas de um regime democrático. Elas valem. Podemos discordar delas, podemos lutar por sua alteração, mas não podemos simplesmente ignorá-las quando não atendem aos nossos interesses. O Estado de Direito só se sustenta no respeito às normas, e qualquer tentativa de relativizá-las abre espaço para o caos.
Sempre critiquei (e continuo criticando) a mania que o poder público, seja o Executivo ou o Legislativo, tem de criar leis e depois abandoná-las à própria sorte. São normas que nascem com discursos inflamados, mas que morrem sem implantação, sem monitoramento, sem cobrança. Já testemunhei isso inúmeras vezes. No tempo em que participei do Observatório Social de Apucarana, acompanhei de perto dezenas de pedidos de cumprimento de leis enviados ao Executivo municipal. Leis que, no papel, representavam conquistas, mas que, na prática, nunca chegaram a beneficiar os cidadãos.
Se esse descaso já é grave quando parte do poder público, torna-se ainda mais escandaloso quando olhamos a postura de certos cidadãos. Leis existem para garantir regras mínimas de convivência. Uma sociedade sem lei é uma sociedade sem norte. Mas muitos indivíduos, movidos por arrogância e interesses mesquinhos, escolhem quais leis querem cumprir. Rasgam a Constituição no discurso e ainda se travestem de “cidadãos de bem”. Querem todos os direitos, mas fogem de qualquer responsabilidade.
Ilustro com um exemplo: um empreendedor, cheio de pressa e sede de lucro, decide instalar seu negócio em uma área que a legislação não permite. A norma existe para proteger a coletividade de danos ambientais, de transtornos urbanos ou de riscos à saúde pública. Mas o indivíduo, ensopado de arrogância, recusa-se a aceitar a negativa do poder público. Com o peito estufado e a língua afiada, dispara: “Vou fazer do mesmo jeito, que mudem a lei se for preciso”. Ou seja, se sua vontade não cabe na regra, que se ajuste a regra à sua vontade. E a sociedade que arque com os prejuízos.
Esse tipo de comportamento não é apenas egoísta. É nocivo, perigoso e, sobretudo, injusto. Leis não podem ser adaptadas para satisfazer desejos de alguns poucos. Elas existem para proteger a coletividade. Quando deixam de tratar os iguais de forma igualitária, aí sim é hora de revê-las. Mas jamais se deve abrir espaço para privilégios fabricados sob medida.
Indigna-me ver como certos grupos, revestidos de poder político, econômico ou midiático, tentam distorcer esse princípio básico. Com um telefonema influente ou uma ameaça velada, moldam leis e decisões para atender interesses privados. Enquanto isso, o cidadão comum é obrigado a cumprir regras rígidas, sem voz e sem vez.
Pior ainda é o comportamento daqueles que querem todas as vantagens do coletivo sem cumprir com suas obrigações. São os que não pagam impostos, mas exigem escolas de qualidade e ruas asfaltadas. São os que poluem rios e áreas públicas, mas reclamam da falta de espaços de lazer. São os que violam leis de trânsito, mas se indignam quando sofrem acidentes. A hipocrisia, nesses casos, chega a ser nauseante.
Na minha opinião a sociedade não pode tolerar esses falsos cidadãos de bem, que bradam por liberdade apenas quando ela lhes convém, mas que não hesitam em sufocar o direito coletivo em nome do próprio bolso. A lei é um pacto social. É dura? Pode ser. É falha? Sem dúvida. Mas é ela que nos permite conviver. Alterar a lei deve ser um processo democrático e coletivo focado no bem comum, não um capricho de quem tem dinheiro ou influência.