Nos últimos anos, a tecnologia avançou em velocidade impressionante. Entre tantas inovações, surgiu uma ferramenta perigosa: os chamados deepnudes, montagens digitais que utilizam inteligência artificial para criar imagens falsas de nudez, geralmente sem o conhecimento ou consentimento da vítima. Embora pareçam apenas “montagens virtuais”, seus efeitos são reais e devastadores.
O que poderia parecer, para alguns, uma “brincadeira de mau gosto”, tornou-se mais uma forma de violência, sobretudo contra mulheres e adolescentes. Esse fenômeno já não afeta apenas figuras públicas, mas qualquer mulher pode ser alvo. E, infelizmente, cresce também em ambientes familiares e escolares, onde a intimidade e a segurança deveriam ser preservadas.
A violência psicológica está prevista na Lei Maria da Penha como qualquer conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima ou controle da liberdade da mulher. A manipulação da imagem de uma pessoa para criar nudez inexistente enquadra-se perfeitamente nesse conceito.
Os deepnudes são frequentemente utilizados para:
• humilhar e constranger;
• chantagear a vítima;
• difamar e prejudicar relações profissionais e familiares;
• causar isolamento social e profundo abalo emocional.
Ainda que a imagem seja falsa, os danos são verdadeiros. A vítima, ao ver sua intimidade fictícia circulando, sente-se exposta, impotente e descredibilizada, sendo esses efeitos idênticos aos sofridos em casos de vazamento real de nudez.
Dentro das relações afetivas, especialmente em contextos de separação conflituosa, os deepnudes têm sido utilizados como instrumento de vingança ou como forma de controle sobre a mulher. Parceiros ou ex-companheiros, ao terem acesso a fotos pessoais ou simples retratos públicos, utilizam inteligência artificial para gerar nudez falsa como forma de obtenção de poder, silenciamento ou coerção.
Nesses casos, além da violência psicológica, pode haver também violência moral, ameaça, extorsão e perseguição (stalking). A responsabilização civil e criminal é plenamente cabível.
Nas escolas, a situação é igualmente alarmante. A combinação de imaturidade emocional, bullying e fácil acesso à tecnologia cria um ambiente propício para o uso dos deepnudes como forma de humilhação.
Adolescentes podem ser vítimas de:
• montagem de “nudes” falsos para difamação;
• cyberbullying prolongado;
• chantagem por colegas;
• exposição em redes sociais e grupos de mensagens.
Embora os autores muitas vezes digam que “era brincadeira”, o impacto psicológico sobre meninas em fase de desenvolvimento pode ser profundo, contribuindo para quadros de ansiedade, depressão e ideação suicida. É uma violência que demanda atenção urgente da comunidade escolar e das famílias.
A legislação brasileira já dispõe de dispositivos específicos capazes de enquadrar essa conduta ilícita.
A prática pode se enquadrar no artigo 147-B, parágrafo único, do Código Penal, que trata da violência psicológica contra a mulher, crime que abrange qualquer ação que cause dano emocional, diminuição da autoestima ou prejudique a liberdade e a privacidade da vítima.
Além disso, dependendo da intenção e da forma de divulgação ou ameaça, o agressor também pode incorrer nos crimes previstos nos:
• Art. 216-B do Código Penal – registro não autorizado de intimidade sexual, aplicável às situações em que o agente cria, manipula ou utiliza imagens para simular nudez ou situação íntima com o objetivo de violar a dignidade sexual da vítima;
• Art. 218-C do Código Penal – divulgação de cena de nudez ou ato sexual, verdadeira ou simulada, sem consentimento da vítima, abrangendo exatamente o cenário dos deepnudes, mesmo quando a nudez é criada artificialmente por ferramentas digitais.
• Art. 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – produção, divulgação ou armazenamento de imagens pornográficas envolvendo criança ou adolescente, inclusive quando manipuladas digitalmente.
Esses dispositivos permitem responsabilizar o autor tanto pela mera criação da imagem manipulada, quanto pela ameaça de divulgação ou pela efetiva circulação do conteúdo falso.
Para denunciar o uso de deepnudes, a vítima deve registrar um boletim de ocorrência o quanto antes, seja presencialmente em uma delegacia ou pela delegacia eletrônica do seu estado. É importante juntar todas as provas possíveis, como prints da tela, links, conversas ou qualquer registro da ameaça ou divulgação da imagem falsa. A vítima também pode buscar orientação imediata pelo Ligue 180, que funciona 24 horas e oferece direcionamento sobre os próximos passos.
Além disso, é recomendável pedir medidas protetivas, especialmente quando há risco de novas ameaças ou divulgação do conteúdo. As plataformas digitais também podem ser acionadas para remover rapidamente a imagem manipulada. Guardar os comprovantes desses pedidos é essencial, pois eles ajudam na responsabilização do agressor.
No contexto escolar, a instituição deve ser comunicada, já que também possui dever legal de prevenção e enfrentamento à violência.
Os deepnudes representam uma face moderna da violência psicológica: silenciosa, rápida e profundamente destrutiva. Afetam mulheres de todas as idades e contextos — da vida pública às relações familiares e ao ambiente escolar. É dever de todos reconhecer essa prática como violência, dar suporte às vítimas e buscar responsabilização dos agressores.
Se você tem dúvidas sobre situações semelhantes ou enfrenta algum tipo de violência digital busque orientação jurídica. Cada caso possui particularidades que merecem análise cuidadosa, e a informação correta pode ser decisiva para sua proteção.