O direito real de habitação é uma garantia legal que assegura ao cônjuge ou companheiro sobrevivente a permanência no imóvel que servia de residência familiar, independentemente do regime de bens adotado, desde que seja o único imóvel residencial a ser inventariado.
A Lei nº 9.278/1996, em seu artigo 7º, parágrafo único, estende essa proteção ao companheiro (união estável) sobrevivente, porém ressalva que o direito real de habitação será garantido enquanto não for constituída nova união ou casamento.
A finalidade primordial desse direito é garantir moradia digna ao cônjuge ou companheiro supérstite, permitindo-lhe permanecer no lar onde construiu sua vida familiar.
No entanto, os Tribunais têm se debruçado sobre situações em que há necessidade da mitigação desse direito.
Em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) relativizou o direito real de habitação para proteger os interesses de outro herdeiro do falecido. No caso em questão, a viúva meeira, após constituir nova união, continuou a residir no imóvel que integrava o espólio, juntamente com seu novo companheiro. O herdeiro alegou enriquecimento ilícito do novo cônjuge da meeira, argumentando que ele usufruía do bem sem qualquer contraprestação. O juízo de origem reconheceu o direito real de habitação da viúva e declarou a improcedência da ação. Porém, em sede de apelação, o TJSP reverteu a sentença, declarando a extinção do condomínio do imóvel e afastando o direito real de habitação da ré sobre o bem pela interpretação conjunta e sistêmica do art. 1.831 do Código Civil e do art. 7º da Lei 9.278/96. Além disso, foi determinado o pagamento de aluguéis retroativos, desde a citação, até enquanto perdurar a ocupação pela viúva.
No caso apreciado pelo TJSP, a Desembargadora Relatora Mônica Carvalho ponderou que “sob o ponto de vista legal e jurídico, é inviável que a viúva ré preserve o direito real de habitação em detrimento dos descendentes, herdeiros de primeira classe, ao contrair novo casamento e constituir uma nova entidade familiar, distinta e desvinculada daquela que mantinha com o falecido.”
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já se pronunciou sobre o tema, admitindo a mitigação do direito real de habitação quando este não atende a sua finalidade social.
Em um caso analisado, a Terceira Turma do STJ, por unanimidade, decidiu que o direito real de habitação pode ser relativizado caso o cônjuge ou companheiro sobrevivente tenha recursos financeiros suficientes a assegurar sua subsistência e moradia em condições dignas. Na situação apreciada pelo Colegiado, a viúva recebia pensão integral do falecido, que era procurador federal, com benefícios equivalentes aos dos procuradores em atividade, além de possuir mais de R$400 mil depositados em sua conta bancária, o que lhe permitia residir em imóvel de padrão semelhante ou superior ao deixado pelo falecido marido.
A Relatora, Ministra Nancy Andrighi, observou que, embora seja uma importante garantia do direito sucessório de caráter protetivo ao cônjuge sobrevivente, assegurando-lhe o direito constitucional à moradia, o direito real de habitação não é absoluto, de modo que pode sofrer restrições em situações específicas. Exemplificou a situação em que o cônjuge sobrevivente possui outros bens que garantem sua subsistência e moradia dignas; quando o direito à habitação prejudicar outros membros vulneráveis do núcleo familiar, tais como crianças, idosos ou pessoas com deficiência, que também residiam no imóvel ou quando a sua manutenção acarretar prejuízos insustentáveis aos herdeiros que não se justificam diante das condições econômicas e pessoais do cônjuge sobrevivente.
Essas decisões indicam uma tendência jurisprudencial no sentido de equilibrar a proteção ao cônjuge ou companheiro sobrevivente com os direitos dos demais herdeiros, especialmente diante da constituição de novo casamento ou união estável pelo viúvo (a), haja vista a possibilidade de configuração de enriquecimento ilícito do novo companheiro.
Na dúvida sobre o tema, consulte sempre uma advogada ou advogado de sua confiança.