Quem eu sou? A pergunta que não quer calar

Da Redação ·
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fonte: Pixabay
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Ela perguntou a ele na primeira sessão de terapia: “quem era ele?”. A pergunta feita por filósofos ao longo da história, respondida insuficientemente para Abujamra, inquietante para os que tem insônia, era agora dele, como se tivesse sido criada para tal. Essa, com certeza, não foi a primeira vez que essa pergunta surgia, como forma de respondê-la, perguntava a todos com quem conversava.

Ninguém – nem ele, seu corpo ou seu espírito - sabia ao certo quando ele começou a se perguntar quem era. Talvez tenha sido numa madrugada qualquer, enquanto o mundo dormia e os pensamentos, insones, caminhavam descalços pela casa. Ou talvez sempre tenha sabido que essa pergunta não tem resposta — tem estrada. Se lhe perguntassem aos 12 anos a resposta seria uma, aos 20, aos 27, 30, 33 e 36, mas aos 37 parecia saber menos ainda.

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Era um homem feito de pausas. Tinha a fala firme, mas o olhar de quem escutava antes. Não por timidez, mas por respeito. Tinha aquele jeito raro de acolher com os olhos, como se dissesse: “fala, eu tô aqui”. Porém, já entendia que gostava de ser ouvido, de ser visto, mas não só com os olhos. Talvez fosse por orgulho, carência ou, quem sabe, uma forma de dar sentido a própria existência no mundo, mais do que como corpo e pensamento, mas como calor, voz e presença.

Carregava histórias nos ombros e ternura nas mãos. Já fora menino curioso, adolescente inquieto, jovem apaixonado, e agora era um adulto que lia o mundo com olhos de pai. Aliás, ser pai era seu modo preferido de existir. Amava os filhos com um tipo de afeto que não fazia barulho — fazia raiz. Talvez tenha sido ali que deixou de ser alguém para se tornar quem, o que dificultava ainda mais a resposta.

Era historiador por vocação, professor por destino, cronista por necessidade de entender o que sentia. Tinha uma fé quase tola na palavra — achava que o mundo podia ser costurado com textos, que a dignidade cabia numa linha bem escrita. Aprendeu que ser ouvido poderia ser trocado por ser lido, mesmo que por ninguém. Escrevia para si com olhares atentos de curiosos convidados seus, mas ainda assim, escrevia para si.

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Quem o via sorrindo talvez não imaginasse os dias nublados que ele guardava no peito. Os cansaços não ditos, as pressões disfarçadas, os medos que ele mesmo tratava com paciência de terapeuta de si. Mas seguia. Seguia porque sabia que viver é isso: tropeçar bonito e levantar melhor. Talvez a frase fosse mais bonita do que a prática, mas fingir para si mesmo ainda é a melhor desculpa para continuar vivendo em busca do que ainda não veio, do que ainda será e infelizmente, do que poderia ter sido.

Dizia pouco sobre si, mas escrevia muito. E quem soubesse ler, saberia tudo. Saberia, por exemplo, que ele era feito daquilo que permanece — mesmo depois que a pressa passa. Pensava no passado não como nostalgia, mas como justificativa para o presente, com medo tremendo de quando o hoje se tornasse passado e não tivesse feito o que deveria, tornando o futuro presente em um presente indesejado.

Se alguém perguntasse, afinal, quem ele era, talvez fosse preciso dizer:

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Era um homem em construção, que ainda acredita na beleza de tentar.

Que caminha entre a memória e o afeto, entre a dúvida e o amor.

E se fosse pra resumir num sopro só?

Era um homem que amava — e isso, no fim, dizia tudo, ainda que não dissesse nada.

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