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Educação: o caos do novo Ensino Médio

A educação brasileira passa por um processo de profunda mudança que afeta, principalmente, os estudantes do Ensino Médio

Da Redação ·
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fonte: Pixabay- ilustração

A educação brasileira passa por um processo de profunda mudança que afeta, principalmente, os estudantes do Ensino Médio. A partir da lei 13.415/2017 ocorreu uma alteração na LDB (Lei de Diretrizes e Bases) modificando a estrutura do Ensino Médio que passou de 800 horas para 1.000 horas anuais devendo ser aplicada até 2022. Essa lei modificou, para além da carga horária, a organização curricular apresentando uma flexibilidade, por meio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da oferta dos chamados itinerários formativos onde os estudantes, teoricamente, escolhem a área que contemple suas aptidões.

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Mas afinal, o que é a BNCC e os itinerários formativos?

A BNCC consiste num conjunto de orientações que fundamentam a reorganização dos currículos das escolas públicas e privadas. Nessa base há uma divisão dos conhecimentos essenciais a serem adquiridos pelos estudantes, as habilidades e os objetivos de aprendizagem para cada conteúdo. Já os itinerários formativos são a somatória das disciplinas, projetos, oficinas e outras formas de trabalho que os estudantes terão a opção de escolher ao adentrar na 1ª série do Ensino Médio. Com esse novo formato apenas as disciplinas de Português e Matemática se tornam obrigatórias nos 3 anos do ensino médio ficando as outras disciplinas distribuídas entre os itinerários formativos.

Em tese os alunos escolhem uma área do conhecimento que esteja de acordo com suas aptidões e habilidades. Tais áreas se dividem em matemáticas e suas tecnologias, linguagens e suas tecnologias, ciências humanas e sociais aplicadas, ciências da natureza e suas tecnologias e formação técnica e profissional.

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Mas como os estudantes serão orientados na escolha dos itinerários formativos?

Segundo a lei será a partir do desenvolvimento de projetos de vida dos estudantes que, na escola, participaria de espaços de diálogo sobre suas possibilidades e escolhas para o futuro. Obviamente as informações aqui são básicas e já demonstram que a mudança é profunda. Então quais as críticas de profissionais, estudantes e comunidade escolar que levaram o governo a uma consulta pública que pode suspender ou modificar o Novo Ensino Médio (NEM)?

Inicialmente podemos destacar a própria organização e capacitação dos docentes que estão à frente dos espaços de diálogo a partir do qual os estudantes terão a oportunidade de escolher qual caminho formativo irá trilhar para sua futura vida profissional. Como fazer isso em escolas onde professores com preparo para trabalhar suas disciplinas de formação e sem a capacitação técnica necessária se colocam a frente de um desafio tão grandioso? Muitos professores estão completando sua carga horária com aulas sem nenhuma noção de como conduzir propostas e atividades vinculadas ao Novo Ensino Médio simplesmente porque não foram consultados, não fizeram cursos de qualidade e com peso de capacitação (apenas cursos básicos e na maioria online), não possuem apoio pedagógico para trabalhar uma vez que a própria equipe gestora e pedagógica está no mesmo nível de conhecimento dos professores. O fato é que a reforma veio de “cima para baixo” sem materiais, sem recursos, sem estrutura física e sem o mínimo de bom senso por parte das lideranças que acreditaram ser possível essa implantação em 2022. Mas, a contrassenso ela está acontecendo e com intensidade...

Dentre os problemas que enfrentaremos ainda cabe destacar o ENEM 2024 que manterá o mesmo formato anterior enquanto a implementação do novo modelo está ocorrendo. O desmonte das disciplinas organizadas não ocorre na mesma proporção de produção de conhecimento acerca das novas áreas o que implica em uma defasagem profunda de conteúdos essenciais para a preparação técnica dos estudantes. As redes de ensino onde o Novo Ensino Médio vem sendo aplicado submetem os estudantes a um novo modelo mesmo que os vestibulares e o ENEM se mantenham o mesmo. Um exemplo é que em 2024 um estudante que cursou os 3 anos no formato novo poderá fazer as provas no modelo antigo. Caso o ENEM e os vestibulares se mantenham o mesmo, como proceder com a defasagem de conteúdo para essas avaliações em 2024?

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As dificuldades não param por aí. A proposta aplicada prevê que jovens tenham consciência plena de suas perspectivas e projetos para a futuro aos 15, 16 e 17 anos sem realizar qualquer tipo de estágio prévio fomentando um risco real de escolha de áreas de conhecimento para estudo que estarão desconectadas da realidade de vida e trabalho deles.

Outra questão se relaciona com as universidades brasileiras que enfrentam uma situação de evasão e trancamento dos cursos, sendo que a escolha precipitada de áreas de aprofundamento pode intensificar o abandono, a evasão e a desistência em todos os níveis podendo atingir as universidades.

Mesmo que tenha pontos positivos como o aumento de carga horária formadora e a implementação do tempo integral, vemos que os investimentos não ocorrem na mesma velocidade das mudanças. Não temos livros didáticos para os alunos que contemplem os novos itinerários em nível suficiente e os que temos tem baixa qualidade. O material online a que temos acesso conta com aulas desconectadas da realidade dos estudantes necessitando que os professores reestruturem os materiais e corrijam informações improcedentes.

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O fato é que a reforma foi gestada sem debate e discussão com a comunidade escolar e sociedade como um todo. No seio da aplicação e elaboração estão grupos empresariais que não tem relação com os milhões de estudantes que frequentam as instituições educacionais do país.  Fatalmente trás no seu bojo uma precarização das disciplinas que impacta na qualidade do trabalho dos professores comprometendo a formação geral dos estudantes, especialmente nas escolas públicas.

Como a maioria das disciplinas tornaram-se optativas e somente português e matemática são obrigatórias houve a implementação de aulas dos chamados “itinerários formativos” com os mais variados nomes que tornam a escola um lugar distante da produção do saber científico e permitindo uma ampliação do uso de dados e conteúdos retirados de sites não confiáveis.

É preciso repensar com criticidade e de forma democrática o caminho que estamos trilhando para a educação brasileira e com urgência, pois o resultado desses anos de caos fatalmente serão o aumento das desigualdades sociais, a não apropriação real do conteúdo e a precarização (como se pudesse ficar pior) do trabalho e carreira docente. Sabemos que o formato antigo tinha falhas, no entanto implantar o “novo” de forma indiscriminada e sem profissionalização, recurso, técnica e base científica nos levará a índices ainda piores do que temos visto nas últimas décadas.

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