A Araucária, árvore símbolo do Paraná e fonte do pinhão, corre risco de desaparecer totalmente do território do estado até o final deste século. É o que aponta o estudo preliminar do NAPI Biodiversidade - Serviços Ecossistêmicos em parceria com o Centro de Computação Científica e Software Livre da Universidade Federal do Paraná (UFPR). E não é só a árvore que representa a identidade e a cultura local que está em perigo. De acordo com a pesquisa, o aquecimento global pode extinguir localmente até 54% das espécies nativas do Paraná até 2100.
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Na lista de espécies em risco de extinção no território paranaense com o aumento da temperatura também está a erva-mate, que pode perder até 60% do ambiente propício para seu crescimento. Com a perda dessas espécies, desaparecem também as conexões essenciais da natureza, como a gralha-azul, ave vital para dispersar as sementes da Araucária. “À medida que a temperatura aumenta, os impactos sobre a biodiversidade crescem de forma acelerada, não linear. Aumentos aparentemente pequenos, como entre 2,9°C e 3,5°C, podem representar a diferença decisiva entre a sobrevivência ou extinção local de muitas espécies”, explica Victor Zwiener, pesquisador do Departamento de Biodiversidade da UFPR em Palotina e integrante do projeto.
Segundo Zwiener, grupos biológicos como anfíbios, plantas e répteis são os mais sensíveis às mudanças, com até metade das espécies desses grupos podendo perder mais de 50% do habitat disponível no Paraná. “Em cenários pessimistas, até 15% dessas espécies correm risco de extinção local, o que representa uma perda irreparável para os ecossistemas do estado”, destaca o pesquisador.
As regiões dos Campos Gerais, e da floresta estacional, que compreende as áreas predominantemente nas bacias dos rios Paraná e Paranapanema, são apontadas como as mais vulneráveis devido ao aquecimento projetado, que pode chegar até 5,3°C no cenário mais grave. “Essas áreas já são historicamente fragilizadas pelo desmatamento e fragmentação. A alta temperatura combinada com o habitat degradado torna o ambiente inóspito para as espécies nativas”, relata Zwiener. O pesquisador ressalta que as análises consideraram apenas os efeitos climáticos, sem incluir impactos adicionais como desmatamento contínuo, o que pode agravar ainda mais a situação.
O estudo, desenvolvido em parceria com os pesquisadores Marcos Carlucci, André Padial e Weverton Trindade, do Departamento de Botânica, também chama atenção para os efeitos indiretos do aquecimento sobre a economia local e o bem-estar das comunidades. A redução de polinizadores e anfíbios pode desequilibrar o funcionamento dos ecossistemas e elevar o uso de agrotóxicos, impactando diretamente a saúde humana e ambiental das populações locais.
Na primeira fase do projeto, foram modeladas a distribuição de cerca de 76% das plantas, 95% das aves, 85% dos mamíferos, 89% dos répteis, 83% dos anfíbios e 67% dos peixes nativos do Paraná, permitindo a identificação das áreas prioritárias para conservação e restauração no estado. “Restaurar as áreas degradadas e proteger as ainda preservadas é fundamental para a resistência da biodiversidade a curto prazo”, afirma Weverton Trindade, um dos pesquisadores do projeto. Ele ressalta a importância do fortalecimento das Unidades de Conservação e a criação de corredores ecológicos para permitir o deslocamento das espécies frente às mudanças climáticas. “A médio e longo prazo, é essencial o monitoramento contínuo e a atualização constante dos planos de manejo, alinhados às políticas públicas para combater as causas das mudanças climáticas”, conclui Weverton Trindade.
Segundo Weverton, apesar do aumento da temperatura pressionar para a redução da biodiversidade no território paranaense, as projeções da pesquisa não resultam obrigatoriamente na extinção das espécies analisadas. “Existem araucárias, por exemplo, registradas no Espírito Santo e na Bahia, o que mostra que alguns indivíduos podem suportar temperaturas mais altas, embora ainda não saibamos se conseguem reproduzir e produzir pinhões. As projeções indicam tendências e cenários possíveis. Por isso, não devemos nem nos desesperar achando que não podemos fazer nada porque está tudo perdido, nem achar que todas as espécies vão dar um jeito de se adaptar. Contudo, o estudo serve para nos alertar para os impactos das mudanças climáticas, e para nos mostrar caminhos para reduzir esses efeitos", pondera o pesquisador.
Supercomputador da UFPR potencializa processamento de dados de pesquisa
A pesquisa, inédita em escala no estado, analisou dados de ocorrência de quase 10 mil espécies de plantas, aves, mamíferos, répteis, anfíbios e peixes para projetar a distribuição potencial dessas espécies diante dos cenários de aumento de temperatura global. Para lidar com a complexidade e volume dos dados — mais de 60 milhões de registros, o equivalente a aproximadamente 200 GB —, o supercomputador do C3SL foi essencial. Ele permitiu o processamento rápido e eficiente dos modelos que preveem as áreas mais afetadas pela crise climática.
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O supercomputador do C3SL foi o “coração tecnológico” do projeto. Para cada espécie, foram testados centenas de milhares de modelos diferentes, buscando as melhores projeções para o presente e futuro. Essa capacidade vai muito além do que computadores comuns podem oferecer e acelerou a geração de conhecimento fundamental para a preservação da biodiversidade estadual.
Segundo o professor Marco Zanata, pesquisador do C3SL e docente do Departamento de Informática da UFPR, “O computador de alto desempenho do C3SL está à disposição da comunidade acadêmica para solicitação e análise de atendimento de demandas. Nossa missão é democratizar o acesso à infraestrutura de informática para agilizar o avanço das análises científicas em diferentes áreas do conhecimento”, destaca Zanata.
A infraestrutura do C3SL representa um salto qualitativo para a pesquisa científica. Com servidores de alto desempenho e hardware especializado para análises de Big Data e aprendizado de máquina, o laboratório oferece recursos que permitem o processamento de grandes volumes de dados em períodos reduzidos, o que seria impraticável em ambientes convencionais. “Esse poder computacional proporcionou à equipe a possibilidade de testar múltiplos cenários, aprimorar métodos estatísticos e gerar resultados robustos para apoiar tomadas de decisão em conservação e políticas públicas”, diz Victor Zwiener.
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