George Martin criou alguns dos momentos memoráveis do pop
ANDRÉ BARCINSKI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - George Martin, o produtor musical, arranjador e compositor cuja genialidade, capacidade de invenção e gosto pela experimentação ajudaram a fazer dos Beatles um dos tesouros da música do século 20, morreu em Londres, aos 90 anos, de causas não divulgadas.
Numa carreira de mais de seis décadas, Martin -chamado de "o quinto Beatle"- trabalhou com música clássica, gravou discos de humor, compôs trilhas sonoras para cinema e produziu artistas famosos como Elton John, Wings, Ella Fitzgerald, America, Robin Gibb e Gerry and the Pacemakers. Mas foi seu trabalho em 12 álbuns dos Beatles que o tornou conhecido como um dos grandes produtores, um bruxo de estúdio que criou alguns dos momentos mais memoráveis da música pop.
Seu arranjo de cordas em "Eleanor Rigby", a tabla indiana que colocou em "Love You To", o quarteto de cordas em "Yesterday", a guitarra gravada de trás para frente dando o tom psicodélico a "Tomorrow Never Knows", sua orquestração marcante e aparentemente caótica em "A Day in the Life", o coral de 16 pessoas cantando frases sem sentido para realçar a confusão no fim de "I am the Walrus", foram algumas das ideias de Martin que os Beatles incorporaram a suas canções.
Quando conheceu os Beatles, em 1962, Martin tinha 36 anos e já era um veterano da indústria fonográfica, tendo estudado música clássica e gravado inúmeros discos para a gravadora Parlophone, aonde chegara em 1950. Martin reconheceu naqueles quatro jovens de vinte e poucos anos um talento incomum para compor canções memoráveis. Tudo que precisavam era alguém que abrisse seus horizontes musicais.
Foi o que Martin fez. Aproveitando as tecnologias de estúdio que surgiram no fim dos anos 1950, especialmente gravadores que permitiram captar som em múltiplos canais, o produtor começou, gradualmente, a fazer dos discos dos Beatles plataformas de experimentações sonoras.
Suas primeiras sugestões foram simples: acelerar o andamento de "Please Please Me" (1962), adicionar piano (tocado pelo próprio Martin) em faixas como "You Really Got a Hold on Me" (1963) e "Money" (1963) e órgão em "I Wanna Be Your Man" (1963).
Com a rápida evolução musical dos Beatles, Martin começou a sugerir arranjos e produções mais complexos. Logo, John Lennon e Paul McCartney perceberam as infinitas possibilidades do estúdio. Foi a partir do trabalho de produtores como Martin na Inglaterra e Phil Spector nos Estados Unidos que o estúdio de gravação começou a ser visto como um local de testes e experimentações, e não apenas como o lugar onde se gravava bandas da mesma forma como elas soavam ao vivo.
Em meados dos anos 1960, com a guinada psicodélica do grupo -e especialmente depois que os Beatles pararam de fazer turnês, em 1966- a banda e Martin mergulharam de cabeça nos experimentalismos sônicos que resultariam em álbuns clássicos como "Rubber Soul" (1965), "Revolver" (1966) e "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" (1967).
As inovações que eles criaram marcariam a música pop para sempre, provando que era possível fazer um trabalho experimental e de vanguarda, mas também de imenso sucesso comercial.
Em "In My Life" (1965), Martin gravou um solo no piano elétrico a metade da velocidade normal. Quando a fita foi rodada na velocidade certa, o som lembrava o de um cravo. Em "Tomorrow Never Knows" (1966), o produtor gravou a voz de Lennon saindo de um alto-falante Leslie, geralmente usado para gravar teclados. O resultado foi uma distorção fantasmagórica da voz, que realçou o tom surrealista e lúdico da canção.
Os arranjos orquestrais, de corais e cordas que Martin fez para faixas como "A Day in the Life" (1967), "I am the Walrus" (1967), "Eleanor Rigby" (1966) "All You Need is Love" (1967) e "Strawberry Fields Forever" (1967) tornaram as canções eternas.
Além de bilhões de fãs, George Martin deixou a esposa Judy Lockhart Smith, com quem era casado há quase 50 anos, e quatro filhos.
ANDRÉ BARCISNKI é jornalista e autor do livro "Pavões Misteriosos" (Três Estrelas)
