Documentos inéditos expõem perseguição da ditadura a Glauber Rocha
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ADRIANO BARCELOS
RIO DE JANEIRO, RJ - Dentro de uma série de atividades comemorativas aos 50 anos do filme "Deus e o Diabo na Terra do Sol", um dos mais célebres filmes do cineasta baiano Gláuber Rocha (1939-1981), a Comissão Estadual da Verdade do Rio vai apresentar documentos produzidos durante a ditadura que expõem o monitoramento das atividades dele pelo regime militar brasileiro (1964-1985).
O filme completou 50 anos de lançamento no dia 10, mas as atividades ocorrem no Parque Lage, no Jardim Botânico, zona Sul do Rio, neste sábado (16). Os documentos, inéditos segundo a comissão, foram confeccionados pelo SNI (Serviço Nacional de Informação) e foram difundidos à época pelo Cisa (Centro de Informações da Aeronáutica). Em todos as páginas há o carimbo da Aeronáutica e a observação de que as informações são confidenciais - segredo este levantado pela Lei de Acesso à Informação, em vigor desde 2012.
Os relatórios produzidos pelos burocratas narram - às vezes com comentários políticos em tom nacionalista, típico daquele período - prisões, relações de Glauber no mundo artístico, a característica estética "esquerdista" do movimento do Cinema Novo e, principalmente, entrevistas concedidas pelo cineasta baiano a veículos de comunicação de Cuba e da Europa durante o período em que se autoexilou, de 1971 a 1976.
O relatório mais extenso oferece suporte para contextualizar duas entrevistas que Glauber deu a publicações britânicas em 1971. Na apresentação, o autor qualifica as entrevistas, concedidas às publicações "Times" e "Time Out" como "um dos mais violentos ataques feitos ao Brasil em qualquer órgão da imprensa britânica". Começa contando que o baiano foi preso por ter vaiado o então presidente militar Humberto Castelo Branco, em 1965, no Rio.
Em seguida, o relatório aponta que ele "atacou" a realização de um festival de cinema brasileiro em Londres e demonstra certo desapontamento com o fato de que, ainda que opositor, Glauber foi agraciado com financiamento da Embrafilme para suas produções.
Diz ainda que o ator favorito de Glauber é Othon Bastos - que interpreta Corisco em "Deus e o Diabo...", a quem descreve como "nome conhecido pelo envolvimento político e ideológico". O documento cita ainda Luiz Carlos Barreto, Joaquim Pedro de Andrade, além de colegas do cineasta no movimento estudantil desde o final da década de 50.
Na película "Cabeças cortadas", rodada em 1970 na Espanha, o cineasta baiano teria "um objetivo político que, por meio do simbolismo, demonstra o rancor de Glauber Rocha em relação ao regime vigente no Brasil", segundo o documento.
CAETANO E GIL E O "ACHINCALHO"
O acompanhamento da rotina de Glauber se segue em 1972, quando outro relatório trata de uma entrevista concedida por ele para a revista "Cine Cubano", de Havana. Desta vez, o SNI expõe uma dose maior de rancor com o fato de que o baiano recebeu verbas públicas para financiar suas obras.
"(A reportagem) apresenta interessantes e elucidativas revelações feitas por esse agente do comunismo e que, até bem pouco tempo, recebia vultosas verbas do INC - Instituto Nacional de Cinema e que foram, sem sombra de dúvida, aplicadas por Glauber Rocha contra os interesses nacionais".
No relatório sobre Cuba, o regime militar diz que "desde a primeira até a última linha, suas palavras são de um comunista convicto, à serviço do imperialismo soviético".
E segue afirmando que o texto demonstra que o cineasta "usou e abusou do cinema brasileiro, do qual recebeu incentivos, em prol da revolução comunista" e que seus comentários a respeito de "Carlos Diegues, Nelson Pereira dos Santos, Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Caetano Veloso, Gil, José Celso Martinez, demonstram, ampliam, os conhecimentos que, embora já sabidos, devem ser sempre lembrados, sobre as verdadeiras finalidades das atividades desses elementos".
O texto conclui: "A situação maléfica que exercem está sempre presente, bastando lembrar o grande sucesso que, há pouco, tiveram Caetano e Gil em sua temporada no Brasil, onde atuaram até no Teatro Municipal, num achincalho (sic) àqueles que combatem a subversão no Brasil".
O TRABALHO DA COMISSÃO
No evento deste sábado, em que os documentos antecipados pela Folha vão ser apresentados publicamente, são esperados filhos de Glauber e contemporâneos da arte do cineasta, como os colegas Cacá Diegues, Silvio Tendler, o músico Sérgio Ricardo e o ator Othon Bastos. Além da exposição dos documentos, estão previstos depoimentos sobre o artista e a exibição do filme.
Segundo a Comissão da Verdade do Rio, os documentos foram obtidos junto ao Arquivo Nacional. Nadine Borges, presidente do colegiado, destaca que o cineasta deixou o país consciente de que era perseguido pelos militares.
"É um documento de que a família não tinha conhecimento. É um documento que apresenta Glauber como uma grande ameaça ao país, e se sabia que tudo que saía fora do país se constituía na única maneira de a comunidade internacional atentar para o que acontecia no Brasil em termos de direitos humanos", afirma Borges.
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