A perspectiva de que o processo de ajuste da política monetária dos Estados Unidos não será tão intenso e rápido como se esperava, após declarações do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, nesta quarta-feira à tarde, levou a uma rodada de enfraquecimento global da moeda americana. Isso abriu espaço para o dólar voltar a ser negociado na casa de R$ 4,90 no mercado doméstico de câmbio.
Como esperado, o BC norte-americano subiu a taxa básica em 0,50 ponto porcentual, para a faixa entre 0,75% e 1% ao ano, em um comunicado que suscitou reações tímidas nos preços dos ativos. O dólar, que vinha em leve alta, na casa de R$ 5,00, pouco se mexeu. A virada do mercado veio quando Powell, durante entrevista coletiva, praticamente tirou a possibilidade de acelerar o passo de alta de juros em junho, ao dizer que "0,75 ponto porcentual não é algo que o comitê está ativamente considerando".
O índice DXY - que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes - desceu do nível de 103,600 pontos para a casa de 102,600 pontos, e a taxa da Treasury de 2 anos, mais ligada à expectativa em torno dos juros neste ano, caiu mais de 4%. A maioria das divisas emergentes, que já ganhava espaço, acelerou a alta em relação à moeda americana.
No mercado doméstico, o dólar não apenas trocou de sinal como chegou a furar pontualmente o piso de R$ 4,90, ao descer até a mínima de R$ 4,8990 (-1,30%). No fim do dia, a divisa recuava 1,21%, cotada a R$ 4,9036. Com isso, a moeda passa a acumular queda de 0,79% no mês e perda de 12,06% em 2022.
"Nossa moeda sentiu bastante o efeito da tensão pré-Fomc (comitê de política monetária do BC americano). Hoje, estamos vendo uma volta desse movimento com a postura mais suave do Fed", afirma o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, ressaltando que o mercado de juros americano embutia grande probabilidade de alta de 0,75 ponto da taxa básica em junho. "Isso agora está fora da mesa. Obviamente, o dólar perde valor em relação a moedas de mercados desenvolvidos e moedas de commodities".
Antes de responder perguntas de jornalistas em coletiva de imprensa, Powell se dirigiu diretamente à população americana, em uma mensagem reconhecendo que a inflação está elevada, em meio a um mercado de trabalho apertado, demanda interna forte e gargalos na cadeia produtiva. "A inflação está muito elevada e vamos atuar para baixá-la".
Essas declarações mais duras foram ofuscadas logo em seguida pelo próprio Powell, ao descartar a possibilidade de alta de 0,75 dos Fed funds em junho, reforçando que "há uma ampla avaliação" entre dirigentes do Fed de que novos aumentos de 0,50 ponto porcentual estão na mesa para as próximas reuniões. No plano de voo da instituição, a inflação vai arrefecer e a economia terá um "pouso suave". Há, segundo Powell, uma "boa chance" de o BC americano restaurar a estabilidade de preços sem provocar uma recessão e aumento de desemprego nos EUA.
A economista-chefe do Banco Ourinvest, Fernanda Consorte, avalia que as declarações de Powell, à exceção da fala sobre novas altas de 0,50 ponto, foram "bastante duras", alertando o mercado de trabalho apertado e a demanda aquecida. "A alta de juros e a redução do balanço já estavam precificados. O mercado viu a fala de Powell como dovish e, por isso, houve queda da taxa de câmbio. Não descarto uma reversão dessa tendência de baixa do dólar no curto prazo", diz Consorte, que vê possibilidade de o mercado voltar a cogitar alta de 0,75 ponto da taxa básica nos EUA em razão da inflação pressionada.
Oliveira, do Fibra, ressalta que a tendência para as moedas emergentes e o real é de apreciação nos próximos meses, uma vez que os preços das commodities devem continuar em níveis elevados. O economista do Fibra ressalta que as divisas emergentes vão sofrer não com uma ou duas altas dos Fed Funds, mas com o "efeito cumulativo" do ajuste da política monetária americana, que ainda vai demorar a se manifestar. Além da alta dos juros, há também o impacto da redução do balanço patrimonial, que vai começar em junho, na ordem de US$ 47,5 bilhões ao mês nos três primeiros meses.
"No ano que vem, as commodities devem sofrer com o aperto monetário cumulativo nos Estados Unidos. Não veremos efeito agora. Para esse semestre, o cenário ainda é de valorização das moedas emergentes. E o real vai seguir esse movimento no curto prazo", diz Oliveira, que não descarta a possibilidade da taxa de câmbio voltar ao nível de R$ 4,80.
Além das commodities em preços elevados e da postura suave do Fed, Oliveira afirma que o provável anúncio, à noite, pelo Banco Central brasileiro, de alta de 1 ponto porcentual da taxa Selic, para 12,75%, contribui para manter um diferencial entre juros interno e externos elevados.
Antes do veredicto do Fed, operadores comentavam que, caso o BC sacramente o fim do ciclo de aperto monetário no período da noite, o dólar poderia se firmar acima de R$ 5,00 e até emendar uma alta mais substancial. Já um discurso mais firme do Copom, com aceno de elevação adicional da Selic em junho, daria fôlego extra ao real.
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