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Por que gestações não planejadas ainda são realidade alarmante no país

Pesquisa com mais de 500 mulheres grávidas aponta que raça, escolaridade, estado civil e número de filhos influenciam no planejamento reprodutivo

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Por que gestações não planejadas ainda são realidade alarmante no país
AutorNa pesquisa, 74% das mulheres negras ou pardas relataram ter uma gestação não planejada - Foto: Pixabay

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Um estudo conduzido pela Universidade de Campinas (Unicamp) revela que, entre 2023 e 2024, 65,7% das gestações no estado de São Paulo não foram planejadas. Esse percentual é significativamente superior à média nacional, historicamente estimada entre 52% e 55%. Os resultados da pesquisa, publicada em março no The European Journal of Contraception & Reproductive Health Care, indicam que o planejamento reprodutivo ainda é um privilégio no país, influenciado por fatores como raça, classe social e nível de escolaridade.

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Embora o Brasil apresente uma taxa de fecundidade considerada baixa, de menos de dois filhos por mulher, a proporção de gestações não planejadas permanece elevada. Foi diante desse aparente paradoxo que o sociólogo Negli Gallardo-Alvarado decidiu investigar o fenômeno em São Paulo, o estado mais rico do Brasil.

O levantamento, realizado no departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, aconteceu entre março de 2023 e junho de 2024, e envolveu 534 mulheres grávidas, com idades entre 18 e 49 anos.

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A coleta de dados foi feita de forma híbrida: mais de 80% das gestantes responderam a um questionário online, utilizando redes sociais digitais (Facebook, Instagram e WhatsApp), e o restante deu as respostas em um formulário impresso. “Conseguimos combinar e recrutar mulheres de diferentes estratos sociais para nossa pesquisa, incluindo aquelas em situação de vulnerabilidade”, conta Gallardo-Alvarado à Agência Einstein.

De acordo com o estudo, mulheres pretas ou pardas, com menos de dez anos de escolaridade, sem parceiro estável e que já têm filhos são significativamente mais propensas a engravidar sem planejar. Na pesquisa, 74% das mulheres negras ou pardas relataram ter uma gestação não planejada, em comparação com 57% das brancas. A disparidade aumenta ainda mais entre solteiras, das quais 85% disseram não ter planejado a gravidez.

Para o pesquisador da Unicamp, os achados foram uma surpresa. “Estamos falando de quase sete em cada dez mulheres sem acesso adequado aos recursos necessários para decidir sobre o número de filhos ou o intervalo entre as gestações. Em um estado com o nível de riqueza e desenvolvimento humano de São Paulo, esses dados revelam que desigualdades sociais importantes ainda persistem e precisam ser compreendidas e enfrentadas”, afirma.

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O ginecologista e obstetra Romulo Negrini, coordenador médico materno-infantil do Hospital Israelita Albert Einstein, compartilha a preocupação. “Esse número realmente chama atenção. Isso indica que o problema vai além do acesso a serviços e envolve também barreiras culturais, sociais e institucionais que ainda não foram superadas”, comenta.

A pesquisa constatou também que estar legalmente casada reduz o risco de gravidez não planejada. “O estado civil influencia a sensação de segurança. Em contextos patriarcais, onde o cuidado doméstico ainda recai majoritariamente sobre as mulheres, relacionamentos menos estáveis podem reforçar a ideia de que elas terão que enfrentar a maternidade praticamente sozinhas”, afirma Gallardo-Alvarado.

Problema de acesso

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Embora o Sistema Único de Saúde (SUS) ofereça métodos anticoncepcionais gratuitos, o acesso a opções de longa duração, como o DIU hormonal e o implante subdérmico, ainda é limitado para a maioria da população. Essa dificuldade acaba ampliando as desigualdades e beneficiando principalmente as mulheres com maior poder aquisitivo.

“O acesso nem sempre é fácil ou garantido. Falta estoque em postos de saúde, há demora para agendar procedimentos como laqueadura ou inserção de DIU. Além disso, o uso de métodos mais eficazes ainda é restrito no sistema público”, observa Negrini.

Há ainda fatores culturais nessa equação. “Existe muito tabu em relação ao uso de anticoncepcionais, especialmente entre adolescentes e solteiras. E, infelizmente, a responsabilidade pela contracepção ainda recai sobre as mulheres.”

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Consequências para a saúde

Gestações não planejadas estão associadas a piores desfechos de saúde materna e infantil, como menor adesão ao pré-natal, aumento de partos prematuros e menor chance de a mulher amamentar o bebê.

Além disso, segundo o estudo, as gestações não planejadas podem representar um peso econômico para as famílias e o sistema de saúde – um levantamento de 2014 publicado no International Journal of Women's Health estimou o custo por gravidez não planejada para o SUS em R$ 2.293, totalizando mais de R$ 4 bilhões anuais.

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“Uma gravidez não planejada pode trazer diversas consequências. Do ponto de vista da saúde, pode significar menos cuidado pré-natal e maior risco de complicações para mãe e bebê”, observa o especialista do Einstein. “No plano emocional e social, muitas mulheres não se sentem preparadas para a maternidade, o que pode levar a sofrimento psíquico, abandono dos estudos, dificuldades no trabalho e sobrecarga familiar. Além disso, quando a maternidade não é desejada, há risco aumentado de depressão pós-parto e dificuldades no vínculo com o bebê.”

O estudo recomenda ações coordenadas entre os setores público e privado para ampliar o acesso de mulheres – sobretudo negras e de baixa renda – à educação formal de nível superior e à contracepção moderna. Tais medidas seriam fundamentais para que mais mulheres possam exercer plenamente seus direitos sexuais e reprodutivos, planejando o momento e o tamanho da família. “A melhora na educação promove uma melhora na saúde das pessoas, porque aumenta o acesso à informação que cada um pode aplicar em sua vida”, argumenta o pesquisador da Unicamp.

Para Romulo Negrini, estudos como esse revelam a necessidade de investir em políticas públicas, educação sexual nas escolas, ampliação do acesso a métodos contraceptivos e atenção especial às populações mais vulneráveis. “Promover equidade em saúde começa por entender essas desigualdades”, conclui.

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Fonte: Agência Einstein

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