A cidade de Sorriso, em Mato Grosso, se destacou nos últimos anos como um polo do agronegócio, com aumento de riqueza e crescimento. Mas, junto a isso, veio também o aumento da violência, especialmente o estupro.
O município mato-grossense liderou a lista das cidades brasileiras com a maior taxa de estupro e estupro de vulnerável, que chegou a taxa de 113,9 estupros a cada 100 mil habitantes no ano de 2023. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no mês passado.
Pelo menos dois casos desse tipo chegam toda semana na Delegacia da Polícia Civil de Sorriso. A demanda é tanta que foi criado um departamento dentro da instituição só para apurar inquéritos de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
Caso macabro
No ano passado, Sorriso ficou marcada por um crime bárbaro que envolvia justamente o estupro. O pedreiro Gilberto Rodrigues dos Anjos, 32 anos, invadiu a casa de uma família e matou todas as quatro mulheres e meninas que estavam ali.
Além dos assassinatos, três das vítimas foram achadas com sinais de abuso sexual. Morreram Cleci Calvi Cardoso, de 46 anos, Miliane Calvi Cardoso, de 19 anos, Manuela Calvi Cardoso, de 13 anos, e Melissa Calvi Cardoso, de 10 anos. Elas eram mãe e três filhas.
O crime chocou o país e gerou muita revolta, ainda mais pelo motivo de Gilberto ser um foragido com dois mandados de prisão em aberto: um por estupro no Mato Grosso e outro por latrocínio em Goiás.
Fora do padrão
No entanto, apesar de horrenda, a chacina da família Calvi Cardoso é uma exceção dentro do universo do estupro e do estupro de vulnerável em Sorriso e no resto do país.
“O perfil identificado em Sorriso é o que acontece em todo o Brasil, do abusador sempre como uma ‘pessoa de bem’, estruturada dentro da unidade familiar, que exerce uma hierarquia e age no silêncio, fazendo com que sua vítima tenha medo. O abusador está dentro de casa, na convivência da família”, explica a delegada Jannira Laranjeira, que viajou de Cuiabá até Sorriso para acompanhar de perto a situação.
A maioria das vítimas de estupro no Brasil são do sexo feminino (88,2%) e tem menos de 14 anos de idade (61,6%). Entre essas vítimas de até 13 anos, em 64% dos casos os agressores são familiares e em 22,4% são conhecidos da criança.
Jannira ainda aponta que existe uma questão estrutural da Polícia Civil, que muitas vezes direciona os esforços de investigação apenas para casos de crime patrimonial e contra organizações criminosas, negligenciando os crimes que acontecem no ambiente doméstico.
“Vivemos em um estado estruturalmente machista. Quem prioriza a repressão na unidade policial são os homens. E a prioridade é cuidar da família e dos crimes dentro de casa ou cuidar do crime organizado e dos crimes patrimoniais? Precisamos ter políticas públicas para retomar o cuidado com as comunidades familiares, adolescentes e crianças”, avalia a delegada, que também é especialista em segurança pública e enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher.
Busca ativa por denúncias
Em entrevista para o programa de rádio local RBT News, em maio, a delegada Jéssica Assis, que trabalha em Sorriso, confirmou que a demanda de estupro contra menores de 14 anos é muito mais alta que outros tipos de crimes sexuais.
“Eu costumo falar que uma Polícia Civil que comemora dados pífios – dados baixos de registro de ocorrências e inquéritos policiais – é uma Polícia Civil que trabalha mal. Uma Polícia Civil que trabalha bem tem dados que destoam, às vezes, porque significa que o trabalho investigativo está sendo feito, e que a polícia está conseguindo capilaridade para ter contato com a população e confiança para as demandas chegarem”, relatou a delegada na entrevista.
De fato, a delegada que chegou na cidade em 2021 é presença constante em programas de rádio e em atividades nas escolas de Sorriso, sempre falando sobre abuso sexual contra crianças e adolescentes.
Em junho do ano passado, por exemplo, um homem de 58 anos foi preso preventivamente após denúncias de abuso sexual contra crianças de 7, 11 e 12 anos, sobrinhas da esposa dele. O agressor abusava das sobrinhas durante a noite, quando as três iam dormir na casa da tia.
Já em janeiro deste ano, a prisão foi contra um homem de 37 anos acusado de estupro de vulnerável contra a filha da companheira dele, que ele também agredia fisicamente.
Homicídios também em alta
Não foi só na taxa de estupros que Sorriso se destacou nas estatísticas criminais. O município também apareceu como o quarto com a maior taxa de mortes violentas intencionais, que inclui homicídios, latrocínios e mortes por intervenção policial.
Só em 2023, foram 86 mortes violentas intencionais em Sorriso, com um crescimento de 10,3% quando se comparado a 2022.
Isso acontece em um contexto de grande crescimento da cidade, que registrou um aumento de 66,73% da população em pouco mais de uma década, chegando a 110,6 mil habitantes.
“A cidade se tornou hoje não só um polo de tecnologia e do agronegócio, financeiramente falando. Isso também atraiu as mazelas da sociedade, que é o crime organizado, as facções e a pobreza. E onde tem crime organizado vai acontecer homicídios e crimes bárbaros”, resume a delegada Jannira.
Com informações: Metrópoles
Deixe seu comentário sobre: "No coração do agro, saiba qual é a cidade líder de estupros no Brasil"