Homem intoxicado por metanol é tratado com vodca russa em hospital
Na falta do antídoto fomepizol, médicos usaram bebida com 40% de álcool para conter efeitos da intoxicação
O comerciante Cláudio Crespi, de 55 anos, recebeu alta hospitalar neste domingo (12) após duas semanas internado em São Paulo por intoxicação causada por metanol. Durante o tratamento, ele recebeu doses de uma vodca russa com 40% de álcool como alternativa ao antídoto oficial, o fomepizol, que estava em falta no país.
LEIA MAIS: Anvisa proíbe venda de produtos de cannabis e cogumelos sem registro
Cláudio ingeriu uma dose de vodca adulterada com metanol no fim de setembro, em um bar de Guarulhos (SP). No dia seguinte, começou a apresentar sintomas como dor abdominal, confusão mental e falta de ar. Ele foi levado à UPA Vila Maria, onde precisou ser entubado logo na chegada.
Transferido para um hospital, os médicos informaram à família que o fomepizol — medicamento usado para neutralizar os efeitos do metanol — não estava disponível. Um primo de Cláudio, que é médico, pediu então que procurassem uma bebida destilada pura para ser usada no tratamento.
Sem encontrar nenhum local aberto, a sobrinha do comerciante, a advogada Camila Crespi, lembrou de uma garrafa de vodca russa que havia ganhado de presente. O destilado foi levado ao hospital e administrado por sonda durante quatro dias, enquanto o paciente permanecia em coma induzido.
Além da vodca, Cláudio também passou por sessões de hemodiálise e recebeu medicamentos para reduzir a acidez no sangue. O tratamento foi considerado bem-sucedido.
O uso de etanol, substância presente em bebidas alcoólicas comuns, é reconhecido pela medicina como uma alternativa temporária ao fomepizol. Segundo o médico Ademar Simões, coordenador da emergência do Hospital Mater Dei Salvador (BA), o etanol compete com o metanol no fígado, atrasando a transformação da substância em compostos tóxicos.
“Quando o fígado está ocupado metabolizando o etanol, o metanol fica em espera e demora mais para se transformar em suas formas nocivas. Isso dá tempo para o corpo eliminar parte da substância pela urina e para que o paciente receba o tratamento adequado”, explica o especialista.
O médico ressalta, no entanto, que o procedimento deve ser feito apenas sob supervisão hospitalar, já que o uso incorreto pode trazer riscos à saúde.
Após a alta, Cláudio voltou a andar e falar normalmente, mas ainda enfrenta sequelas. Segundo a família, ele perdeu cerca de 90% da função dos rins e sua visão foi parcialmente comprometida. O comerciante enxerga apenas formas e sombras, sem distinguir cores ou luminosidade. Durante a internação, ele também recebeu corticoides para tentar reduzir a inflamação do nervo óptico.
O estado de São Paulo registrou cinco mortes por intoxicação causada por metanol em bebidas adulteradas. Ao todo, 25 casos foram confirmados e outros 160 seguem em investigação.
O fomepizol, considerado o antídoto mais eficaz, começou a ser redistribuído recentemente — cerca de 300 unidades chegaram ao estado na quinta-feira (9/10). Diferente do etanol, que apenas retarda os efeitos do metanol, o fomepizol bloqueia a enzima que converte a substância em compostos tóxicos, impedindo a formação do ácido fórmico, responsável pelos danos ao nervo óptico e ao sistema nervoso.
Segundo o médico Ademar Simões, os sintomas iniciais da intoxicação por metanol lembram uma “ressaca forte”, com náuseas, vômitos, dor abdominal e mal-estar. “Com a evolução, surgem dor de cabeça, tontura, alterações na visão, falta de ar e confusão mental. Em casos graves, pode haver convulsões, coma e até morte”, alerta.
