Os países em desenvolvimento deveriam contrair novas dívidas para ajudar no combate aos impactos econômicos da pandemia de covid-19, mas, mais tarde, essa conta se transformará em uma onda sem precedentes de crises e reestruturações. A recomendação e o alerta foram feitos pela economista-chefe do Banco Mundial, Carmen Reinhart, em entrevista concedida nesta quinta-feira ao jornal “Financial Times”.
Ex-professora da Universidade de Harvard e conhecida pelo trabalho com o economista Kenneth Rogoff sobre os impactos causados por crises financeiras ao longo da história, Reinhart considera que as dívidas extras são justificáveis em determinadas circunstâncias. “Enquanto a doença está furiosa, o que mais você vai fazer?”, questionou ela na entrevista ao “FT”. “Primeiro você se preocupa em lutar na guerra, depois descobre como pagar por isso.”
Mas Reinhart argumenta há muito tempo que as economias em desenvolvimento têm uma tolerância menor ao endividamento do que os países avançados. Para ela, o impacto da pandemia só vai exacerbar esse problema. “Ken Rogoff e eu escrevemos sobre a intolerância à dívida em mercados emergentes há 20 anos”, disse ela. “O nível de endividamento que historicamente os coloca em apuros é muito menor.”
Reinhart conversou com o “FT” enquanto o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial se preparam para suas reuniões anuais, que serão realizadas de forma virtual na próxima semana.
Formas como lidar com o forte endividamento durante a pandemia — causado pela combinação de queda do Produto Interno Bruto (PIB) e aumento dos gastos públicos para enfrentar o vírus — serão um dos tópicos de discussão mais quentes do encontro.
Espera-se que o G-20 anuncie em breve que estenderá o alívio ao pagamento das dívidas dos países mais pobres do mundo, uma iniciativa criada em abril. Mas há um clamor crescente entre governos, economistas e instituições internacionais por novas ações para ajudá-los a enfrentar a crise.
Para Reinhart, o impacto econômico da pandemia é sem precedentes na história, não vistos nem mesmo durante a Grande Depressão da década de 1930. “É por isso que estamos falando de cancelamento de dívidas. Em nível de país, em nível multilateral, no nível do G-7, quem tem o financiamento para preencher todas as grandes lacunas fiscais que foram criadas ou exacerbadas pela pandemia?”
A economista-chefe do Banco Mundial disse que a dificuldade de avaliar a escala da crise que virá cresceu por causa da falta de transparência nas novas dívidas contraídas pelos países fora dos mercados de títulos, especialmente a partir de empréstimos bilaterais.
Segundo ela, o fato de a China ter se tornado uma fonte significativa de crédito para muitas economias emergentes e a relutância de Pequim de divulgar os valores desses empréstimos são um complicador. “A transparência tem sido uma questão delicada há algum tempo”, acrescentou Reinhart. “Muitos contratos têm acordos de sigilo, portanto não são conhecidos.”
Como consequência, ela alertou que o setor privado está trabalhando com o pressuposto que as dívidas dos países são menores do que a realidade e as instituições oficiais, como o FMI e outros credores multilaterais, estão fazendo análises de sustentabilidade de dívida com base nos mesmos números.
O fato de muitas dessas dívidas, tanto de governos como de empresas de países emergentes, serem em moedas estrangeiras, como o dólar, só agrava o problema. “Se você tiver um choque que afete sua capacidade de obter moedas estrangeiras, não poderá pagar”, alertou Reinhart.
Este conteúdo foi publicado originalmente no Valor PRO.
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