Resistência e pertencimento: tranças na luta antirracista
Mais que um penteado, o trançado no cabelo afro é um ato de revolução
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Cada fio crespo carrega histórias. Histórias que tentaram silenciar, mas que hoje ecoam com força. Da rejeição ao orgulho, do apagamento à visibilidade: falar sobre o cabelo da pessoa negra é, por si só, um ato de revolução.
É justamente pelos fios de cabelo que a história de Bianca da Silva Torneli, 29 anos, trancista há nove anos e integrante do Coletivo de Mulheres Negras de Apucarana, e da adolescente Raquel Rocha da Silva, 12, se entrelaçam.
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Bianca recebe diariamente mulheres que buscam mais do que um penteado: procuram reencontro consigo mesmas.
“Para mim, trançar o cabelo de uma mulher é devolver brilho. É trabalhar a saúde mental, a autoestima. Enquanto eu arrumo o cabelo, eu converso, escuto, entendo o que ela vive. O mais importante é mostrar que ela pode ser bonita de qualquer forma”, afirma.
Para ela, o cabelo é também instrumento de identidade. “A trança afirma quem você é, afirma saúde mental. A mulher sai daqui se sentindo melhor com ela mesma e com o mundo. Tudo isso está envolvido.”
A trancista explica que muitas clientes chegam durante a transição capilar como Raquel buscando apoio emocional e estético. “Eu tento transmitir confiança. Mostrar que ela pode mudar, testar, descobrir novas formas de usar o cabelo natural. Não é só coque ou cabelo preso: são muitas possibilidades sem perder autenticidade, beleza ou feminilidade. ”
Bianca relata que o processo, antes restrito, agora alcança mulheres de todas as idades. “Tem mulheres de 40, 50 anos que nunca testaram tranças por medo, por pressão ou porque não viram isso de forma positiva na família. Hoje, com informação e representatividade, elas estão se permitindo. Estão se redescobrindo. ”
Ela também relembra o significado histórico das tranças: “Muita gente esquece que as tranças nasceram de um lugar de realeza, de hierarquia social. Nem sempre estiveram associadas ao sofrimento. São símbolo de beleza e resistência. ”
Sobre atender mulheres brancas, Bianca é direta: “Eu fico feliz quando uma mulher branca me escolhe como trancista. Isso também é reconhecimento cultural e valorização da profissional negra. ”
O Coletivo de Mulheres Negras de Apucarana, do qual faz parte, é um dos espaços de fortalecimento para ela. “No coletivo, a gente encontra acolhimento, fala, escuta. É uma família. E é necessário porque ainda existe diferença, ainda existe desigualdade. A luta é diária, e as tranças são uma forma dessa resistência.”
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mulheres negras ganham menos que homens brancos, menos que homens negros e menos que mulheres brancas. As mulheres negras são as principais vítimas das desigualdades salariais no mercado de trabalho.
Bianca, que também passou pela própria transição capilar, resume o processo: “A sensação é libertadora. Você se olha no espelho e vê uma versão autêntica de si. Vale a pena porque inspira outras pessoas. Você não fica refém de um padrão. Você nasce assim, e isso é lindo.”
Raquel começou a transição capilar com apenas 12 anos. E, mesmo tão jovem, já entende a dimensão do processo.
“Não é tão fácil, mas também não é tão difícil”, conta. “Eu fiz progressiva desde os 10 anos porque achava meu cabelo difícil de cuidar. A progressiva facilitava.”
Foi vendo suas referências dentro de casa todas as mulheres usando cabelo natural que ela decidiu parar com os alisamentos. “Desde o início eu falei que não queria mais. Já faz três meses.”
Para enfrentar o período em que o cabelo fica metade liso e metade enrolado, Raquel escolheu fazer tranças. “Eu me sinto mais empoderada, mais bonita. Ajuda na autoestima. Acordo com o cabelo prontinho. Só arrumo atrás e já está ótimo.”
“Todo mundo gosta. As tranças fazem sucesso”, diz sorrindo.
Sobre o que diria para meninas que têm medo da transição, Raquel não hesita: “Faz. Tenta. Porque dá certo. As tranças ajudam muito. E depois os cachinhos começam a aparecer. É lindo.”
Histórias como as de Bianca e Raquel reforçam que o Dia da Consciência Negra não é apenas sobre luta é também sobre celebração. É sobre beleza. Sobre herança. Sobre liberdade. Sobre se reconhecer e se permitir existir sem pedir licença.
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Neste 20 de novembro, Brasil celebra o Dia da Consciência Negra pelo segundo ano como feriado nacional. Apucarana ainda tem muito a aprender com a força das mulheres negras que transformam, inspiram e ocupam espaços que antes lhes foram negados. Cada trança, cada cacho, cada fio é memória e futuro. É resistência e, acima de tudo, é orgulho.
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