O cafeicultor Alécio Gorla, de Apucarana (PR), tinha 32 anos quando viu os cafezais de sua família serem castigados pela geada negra, em julho de 1975. O fenômeno, que completa 50 anos, destruiu plantações de café no Paraná, então o maior produtor mundial do fruto, causando uma crise econômica sem precedentes.
- LEIA MAIS: Nota Paraná se torna aliado poderoso para arrecadação dos municípios
A propriedade de Grola fica no Distrito do Pirapó onde sua família tinha 22 alqueires de café plantados. Ele conta que a geada foi severa e durou quatro dias. Em 16 de julho o clima já estava muito gelado, com termômetros marcando 0 ºC, mas apesar do frio extremo, os agricultores não imaginavam o que estava por vir. No dia seguinte, o vento frio e seco "queimou" a vegetação que amanheceu necrosada em 18 de julho.
“Houve um chuvisqueiro e a terra estava muito úmida. A frente fria entrou nela pra valer. Houve a geada negra e nos dias seguintes a formação de gelo que durou até 20 de julho. Teve região mais fria no Paraná que chegou a formar 50 centímetros de neve”, comenta.

Gorla lembra que a paisagem verde dos cafezais mudou de cor e ficou toda marrom e preta. O sentimento era de tristeza. “Foi um baque, né. Mas a gente tinha que continuar, pois o mundo não tinha acabado. Fomos nos adequando, tanto que trabalho com cafeicultura até hoje”, afirma.
De acordo com o cafeicultor, as lavouras de café mais novas foram decepadas e os produtores iniciaram o ciclo do zero. Contudo, 1975 foi marcado com a maior produção de café do estado, o que deu um certo alívio financeiro aos produtores. “Por sorte, antes da geada o Paraná havia feito a maior colheita. Naquela época o estado produzia sozinho 25 milhões de sacas de café beneficiado. E com a escassez, o houve uma grande valorização”, afirma.
Nos anos seguintes, o café foi perdendo área de plantio para outras culturas como soja, milho e algodão. “Só os apaixonados por café ficaram”, afirma Gorla.
DIVISOR DE ÁGUAS
Evilásio Mori, de Cambira, no Vale do Ivaí, é outro cafeicultor que vivenciou os impactos da geada negra. Ele tinha apenas 13 amos quando viu as lavouras de seu pai serem atingidas. “Recordo que 1976 seria a safra cheia. Significava que iríamos ter uma safra bem generosa. Como a família exercia duas atividades, ficou a avicultura de postura para nos sustentar”, relata.
Segundo ele, a geada negra foi um divisor de águas para a economia do Paraná, marcando a transição da monocultura do café para a diversificação. O fenômeno natural também levou ao êxodo rural. “Muitas pessoas deixaram a zona rural para buscar oportunidades em cidades. Os que permaneceram na cafeicultura tiveram que se adaptar às novas condições, implementando técnicas mais modernas, como plantios em espaçamentos menores e curvas de nível”, comenta
GEADA NEGRA E GEADA BRANCA
O economista e especialista em café, Paulo Franzini, explica que a geada branca é caracterizada pela formação de gelo visível nas superfícies, geralmente em áreas baixas e úmidas. Isso ocorre quando a umidade no ar se condensa e congela, formando uma camada de gelo branco e cristalino, e pode ser vista facilmente. A geada negra, ocorre quando ventos frios e secos danificam as plantas, causando a morte das células e tecidos. A ação do vento causa necrose, levando as folhas e ramos a ficarem pretos. Nesse tipo de geada, não há formação de gelo visível.
“Em 1975 foram os dois tipos, mas ficou marcado como uma geada negra de forma geral. Meu pai era cafeicultor e no dia 17 de julho começou a sentir um cheiro de queimado. Na madrugada do dia 18 diminuiu intensidade do vento e começou a formar gelo e amanheceu tudo preto. A geada negra atingiu regiões onde a branca dificilmente atinge”, observa.
DECISÕES PARA AGRICULTURA
Franzini destaca que a geada de 1975 foi um divisor de decisões para a agricultura do Paraná. Antes da geada, o estado era o maior produtor de café do mundo, com cerca de 1,8 milhão de hectares de café plantados. No entanto, após o fenômeno, a área de café plantada diminuiu significativamente, e os produtores começaram a buscar outras opções. A mecanização da agricultura, que já estava em curso nos anos 70, se intensificou, e culturas como soja, algodão e milho começaram a ocupar as áreas que antes eram do café.
Além disso, as leis trabalhistas da época também influenciaram a mudança. Segundo Franzini, os produtores tinham dificuldade em cumprir com as novas regulamentações, e muitos optaram por mudar de atividade.
“A geada de 1975 foi um impacto econômico significativo para o Paraná, que vivia uma economia ligada ao café. Os produtores tiveram que se adaptar a uma nova realidade e mudar de atividade sem ter a estrutura necessária para isso. Essa mudança teve um impacto duradouro na agricultura do Paraná, que se diversificou e se modernizou ao longo dos anos”, destaca.
Deixe seu comentário sobre: "Cafeicultores relembram impacto na região 50 anos após geada negra"