MULHERES NA MIRA DAS FORÇAS INTOLERANTES DO TALIBÃ

Entre as perseguições realizadas pelo grupo a de Malala Yousafzai, baleada aos 15 anos por defender os direitos das mulheres de frequentar a escola, chocou o mundo

Da Redação ·
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fonte: Pixabay

As últimas notícias sobre a atual situação do Afeganistão preocupam o mundo no tocante às violações de direitos humanos na região. Após a retomada do poder e o controle da capital do país, Cabul, pelo Talibã depois de 20 anos de ocupação estadunidense na região, o presidente Ashraf Ghani e o vice Amrullah Saleh fugiram do país.

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Em um processo de dominação rápida e que surpreendeu os próprios líderes dos EUA, o grupo fundamentalista islâmico tomou o controle da região com as forças de segurança afegãs oferecendo pouca resistência.

O Talibã consiste em um grupo radical islâmico que a partir de uma rígida interpretação do Alcorão creem ser os portadores do “verdadeiro islamismo” e incumbidos de proteger e declarar guerra às influências estrangeiras e ocidentais na região.

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Com origem na década de 1980, formaram-se no contexto da Guerra Fria (1945-1991) quando a então União Soviética invadiu o território do Afeganistão entre 1979 a 1989. Unindo-se para combater o domínio soviético, os Talibãs, “estudantes” em pashto, criaram um movimento de resistência que recebeu apoio dos EUA e Arábia Saudita na “guerra aos comunistas”. Ambos os países colaboraram e financiaram o armamento de diversos grupos fundamentalistas islâmicos no oriente médio objetivando o combate ao avanço dos ideais socialistas na região.

Após anos de conflitos e com o fim da guerra fria, o Afeganistão encontrava-se em situação de vulnerabilidade e dependente das promessas de auxílio externo e apoio à região após anos de violência. Tais promessas não se concretizaram e estimularam o fortalecimento de grupos extremistas que como o Talibã, assumiu o poder em 1996 no Afeganistão tomando Cabul e parte do país chamado então de Emirado Islâmico.

Entre 1996 a 2001 o que assistimos foi uma escalada de um comando autoritário a partir da instauração de uma ideia radical da Sharia, a lei Islâmica. É declarada uma guerra às influências estrangeiras na região.

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Com um forte discurso anticorrupção, coibição da criminalidade, estímulo ao comércio e defesa dos valores fundamentalistas islâmicos parte da população local apoia as ações do Talibã no poder e reforçam a perseguição de minorias, em particular das mulheres.

No Afeganistão dominado pelo Talibã, mulheres não podiam trabalhar, estudar, sair de casa, frequentar locais públicos, entre outras proibições que se aprofundam nas punições às mesmas como o apedrejamento público. Entre as leis aplicadas na região o açoitamento, amputações e execuções públicas eram comuns.

As perseguições iam desde os costumes às influências como televisão, rádio, filmes e músicas. Um exemplo fatídico desse radicalismo foi a queima da Biblioteca Central de Cabul em 1998 à mando do Talibã destruindo livros raros e milenares. Entre as perseguições realizadas pelo grupo a de Malala Yousafzai, baleada aos 15 anos por defender os direitos das mulheres de frequentar a escola, chocou o mundo.   

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Em 2001 após o ataque de 11 de setembro às Torres Gêmeas e ao Pentágono o Talibã é acusado de dar refúgio a membros da Al-Qaeda, e seu líder Osama Bin Laden é responsabilizado pelo ataque.

Nesse contexto, os Estados Unidos da América lideram uma coalisão de forças que invadem o Afeganistão sob o comando do então presidente George W. Bush e declaram a “Guerra ao Terror”. Com foco na captura de Bin Laden (Afeganistão) e Saddam Hussein (Iraque) as forças de coalisão derrubam o Talibã do poder no Afeganistão e ali permanecem até 2021.

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Nesses 20 anos de dominação membros remanescentes dos referidos grupos radicais islâmicos se refugiam nas regiões de fronteira com o Paquistão.  

Após 2001, as forças de coalisão tencionam transformar o Afeganistão em uma democracia, mas a presença estadunidense na região dura mais tempo que o esperado e parte do povo afegão auxiliam e cooperam com grupos radicais em mobilizações anticolonialistas.

Após apoio popular Barack Obama passa a considerar a retirada das tropas americanas da região. Esse fato não se concretiza em seu governo e fortalece o discurso de Donald Trump nas eleições de 2016 que vence com uma forte crítica a presença militar estadunidense no Afeganistão.

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Porém, Donald Trump não retira as tropas e negocia um acordo de paz com o Talibã em Doha (Catar) no intuito de conter os avanços Talibãs. Mesmo após o acordo, o grupo radical continua ameaçando as forças seguranças e os civis.

Com a saída da maior parte das forças de coalisão, Joe Biden anunciou em abril a saída das tropas dos EUA até o dia 11 de setembro de 2021. Em maio as forças do Talibã investem e conquistam combatentes dominando a região e chegando a Cabul antes mesmo das previsões estadunidenses.

Segundo a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) o Talibã conta com 85 mil combatentes e hoje a grande preocupação do mundo reside na transformação do Afeganistão em um refúgio para grupos terroristas. O receio da instalação de um regime repressivo tornou-se uma realidade com a proibição de trabalho de mulheres em diversas áreas, notícias de dispensas de alunas em instituições educacionais e universitárias, e de funcionárias em empresas.

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A retirada de publicidade de mulheres, de imagem das mesmas em vitrines fora dos padrões determinados e a obrigatoriedade do uso do véu demonstram que a intolerância e as ações de grupos conservadores ultranacionalistas têm seus alvos prediletos e eles são efetivos na retirada de direitos das mulheres.

Estejamos vigilantes pois como afirmou Simone de Beauvoir “basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”.

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Para os interessados, abaixo aprofundamos um pouco o tema por meio de uma consulta ao historiador Sidnei Munhoz, especialista em História Contemporânea e nas relações internacionais.

Sidnei Munhoz explica que o Afeganistão sofre com as ofensivas colonialistas há mais de um século. Desde a independência em relação a Grã-Bretanha em 1921 o país sofre as tentativas de conquistar a sua autonomia. No ano da independência Amanullah Khan assumiu o poder e naquele contexto o governo de Khan tornou o Afeganistão o primeiro país a reconhecer o governo Bolchevique firmando acordos com a Rússia.

O historiador relata que “Amanullah Khan buscou a modernização e a ocidentalização do país, retirou a obrigatoriedade do véu das mulheres, expandiu a rede de ensino e instituiu a educação feminina. Em decorrência desse modesto programa de reformas, mas considerado inaceitável pelos setores mais conservadores da sociedade afegã, teve início uma revolta que adquiriu grandes proporções. Apesar do inicial apoio soviético, a crise ampliou-se, e Amanullah Khan renunciou e refugiou-se na Índia. Naquela conjuntura, plausivelmente para buscar manter boas relações com a Grã-Bretanha, que naquele momento avaliava o possível o reconhecimento do regime de Moscou, os soviéticos retiraram-se do país. Em decorrência daquela agitação social, o Afeganistão experimentou um período de instabilidade, no curto governo de nove meses de Habibullah Kalakani, que havia liderado a rebelião. No desenrolar dos eventos, Muhammad Nadir Khan (Muhammad Nadir Shah), que era um dos possíveis herdeiros do trono afegão e que, por divergências com Amanullah, encontrava-se exilado, retornou com suas forças para o Afeganistão. Rapidamente, Nadir Khan conseguiu derrotar os rebeldes e, em outubro de 1929, assumiu o governo, instituindo uma nova dinastia que comandou o país até 1978”. 

A situação interna do Afeganistão após tais eventos se deteriorou significativamente levando a eclosão de uma guerra civil em 1979. Segundo Munhoz “Os conflitos iniciados na cidade de Harat e arredores foram marcados por uma aliança de trabalhadores urbanos, combatentes islâmicos, desertores das forças armadas e outros setores descontentes”.

A relação com os soviéticos se deteriora e inicia-se  a construção de uma possível invasão soviética ao país. Munhoz afirma que “os soviéticos suspeitavam, não sem razão, que áreas do país estavam a cair sob o controle de grupos financiados por inimigos que pretendiam não apenas desestabilizar e derrubar o regime de Kabul, mas, por meio da intensificação das ações dos rebeldes islâmicos, gerar instabilidade nas fronteiras soviéticas e nas suas regiões de maioria muçulmana”.

Sobre o processo de invasão da URSS ao país Munhoz relata que “foi construída uma história oficial, patrocinada pela Casa Branca, que denuncia uma postura agressiva da União Soviética ao invadir o país às vésperas do Natal de 1979. Nessa narrativa, os EUA, com o intuito de defender o povo afegão, haveriam passado a apoiar um movimento de resistência organizado a partir do Paquistão. Trabalhos mais meticulosos de investigação mostram, contudo, a existência de outra história, parte dela proveniente dos próprios bastidores da Casa Branca. Uma análise retrospectiva indica que, desde 1973, os EUA ampliaram a sua atuação na região, por intermédio dos serviços secretos dos seus aliados. Com o suporte da Savak do Irã e do Pakistan’s Inter-Services Intelligence Directorate (ISI), Washington começou a enviar armas, além de oferecer diversos outros tipos de apoio para grupos islâmicos que se opunham ao regime afegão. Em março de 1979, a CIA encaminhou diferentes opções para possíveis operações secretas no Afeganistão ao Special Coordination Committee (SCC) do NSC dos EUA. No mesmo mês, diversos agentes da CIA foram enviados à região. Posteriormente, em 1981, já durante o governo Reagan, Richard Pipes assumiu a coordenação do grupo. Durante a administração Reagan, o NWG ganhou mais proeminência e intensificou a sua atuação no suporte a movimentos étnicos e religiosos nas bordas da URSS. Pipes afirmou, em 1981, que, se instigadas adequadamente, as populações islâmicas da região poderiam desencadear uma fúria genocida contra o regime soviético”.

E foi de fato o que aconteceu com o Talibã. Remanescentes desses grupos financiados por interesses internacionais no país, representam hoje uma postura ainda mais radical e repressiva que seus antecessores. Filhos da guerra, representam não só uma ameaça aos direitos humanos na região como a certeza que o clima de insegurança que vivemos poderá se intensificar nessa disputa por narrativas.

Referências

Munhoz, Sidnei J. Guerra Fria : história e historiografia / Sidnei J. Munhoz. - 1. ed. – Curitiba : Appris, 2020.

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